Alô, pessoas!
Admirável Mundo Novo é um livro de ficção escrito por Aldous Huxley, em 1932. O livro foi baseado em uma distopia, onde todo mundo nasce com característica prévias feitas por cientistas e todas as pessoas fazem a mesma coisa, pensam igual e são controlados, de forma que fiquem sem pensamento lógico ou crítico. Além disso, o livro traz para nós a questão da estratificação social. Nesse mundo criado pelo autor, vemos ideia de castas - que foram baseadas no alfabeto grego -, onde a pessoa nasceu para ficar em uma casta específica e não poderá mudar isso.
A música de Zé Ramalho é baseada nesse livro e trocou a palavra "mundo" por "gado", que vamos entender por qual motivo houve essa troca. Vale destacar que não apenas Zé Ramalho que fez uma intertextualidade com o livro. Pitty também compôs a música Admirável Chip Novo, que faz alusão ao livro.
Vamos analisar cada estrofe com calma para entender o sentido da música Admirável Gado Novo. Como é uma música com muitos períodos "quebrados" em versos, é importante ter uma atenção maior.
Vamos lá!
Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa dos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais
do que receber
Essa única estrofe precisa ser descontruída para que possamos entender melhor. Primeiramente vamos entender o que é essa massa. A "massa" está no sentido de quantidade grande de pessoas que seguem algo e, no caso da música, essa massa pode ter inúmeras interpretações e uma delas, seguindo a lógica do livro Admirável Mundo Novo, a massa seria o trabalhador que trabalha mais do que merece receber, e esse trabalhador nasceu para trabalhar, pois faz parte da classe trabalhadora e é por isso que faz parte dos projetos do futuro.
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
A outra parte da estrofe já parte para um viés de parecer o que não é, ou seja, uma pessoa transparecer ser mais corajosa do que realmente é. A engrenagem seria aquilo que move a pessoa e, em Admirável Mundo Novo, muitas vezes há as formas de manipulação da pessoa. Trazendo para a realidade, a música fala - até agora - da grande quantidade de pessoas que são manipuladas pelas diferentes formas de poder.
Lembrando que há um ponto opinativo no começo da música, onde o eu-lírico diz ''é duro''. Para ele, é difícil viver em uma realidade como a que ele cita.
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado eh
Povo feliz
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado eh
Povo feliz
Oh oh oh
O refrão utiliza uma metáfora para caracterizar as pessoas que ele citou. Olhando para o lado literal, vida de gado é aquela onde o gado (animal) vive em uma fazenda, é alimentado, recebe cuidados específicos, é domado e marcado pelo dono. Agora, olhando para o lado metafórico da música, a vida de gado, partindo pela lógica do livro, seria a vida daquela massa de pessoas que são manipuladas sem perceber, que não são felizes realmente e que são marcadas, ou seja, classificadas. para serem algo que faz parte ''dos projetos do futuro''.
Lá fora faz um tempo confortável
A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal
Nada de incomum nessa parte da música. Vemos uma descrição do cotidiano das pessoas. O tempo está bom, as pessoas são vigiadas para, supostamente, estarem seguras, as pessoas ouvem ao noticiário pelo rádio do carro e os homens (as pessoas como um todo) publicam as notícias no jornal. Indo para um lado um pouco mais aprofundado, talvez o autor da música queria falar as notícias do dia a dia.
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram-se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou!
Essa talvez seja a parte mais enigmática da música a começar pelo fato de que foi preciso descontruir a estrofe em duas partes para entender melhor. O sentido da palavra "correr" tem vários sentidos e isso significa que pode ter sido um jogo de sentidos que serve tanto para os homens que correm na madrugada quanto para a notícia espalhada por eles ouvidas no carro. E isso é relativo ao próximo verso porque é possível que os homens espalham a notícia de que a sociedade está cada vez mais velha.
Outra interpretação é que a ordem dos versos se encaixa uma na outra como quebra-cabeça: o tempo está confortável e seguro graças à vigilância, logo os homens andam livremente de madrugada; os automóveis ficam parados na beira da estrada enquanto o jornal conta notícias de que a sociedade está envelhecendo.
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado eh
Povo feliz
Eh, oô, vida de gado
Povo marcado eh
Povo feliz
Oh oh oh
E então o refrão se repete.
O povo foge da ignorância
Apesar de viver tão perto dela
E sonham com melhores tempos idos
Contemplam esta vida numa cela
Esperam nova possibilidade
De verem esse mundo se acabar
A arca de Noé, o dirigível
Não voam, nem se pode flutuar
Não voam, nem se pode flutuar
Não voam, nem se pode flutuar
O interessante dessa estrofe é que ela contradiz o que muitas pessoas normalmente falam ou pensam. Normalmente vemos as pessoas falarem com frequência que as pessoas vivem na ignorância, mas essa estrofe diz o contrário. Os dois primeiros versos dizem tudo por si só, mas a relação que esses dois primeiros versos têm com a música inteira e com o livro é o que torna a letra da música especial.
O livro em si conta que as pessoas pensam por igual, pensam a mesma coisa; a música mostrou que as pessoas leem notícias e vivem normalmente como pessoas normais e é aí que está a ignorância de que o povo foge, no entanto, convivem com essa ignorância, mas sonham com a vida como era antigamente, algo que, segundo a música não eram tempos muito bons. Assim, a música enfatiza que, apesar de fugirem da ignorância, o povo é ignorante ao querer viver como no passado, depois utiliza o exemplo da Arca de Noé e de um dirigível como uma metáfora para dizer que voltar ao passado é impossível.
Essa música virou questão de prova no Enem 2021. A questão cobrou a interpretação de uma estrofe da música, o que enfatizou a importância de manter o hábito analisar letras de músicas (e de outros textos). Já escrevi um artigo sobre a importância de interpretar música para questões de prova e também escrevi cinco dicas para interpretar melhor letras de música e qualquer outro texto.
A música pode possuir inúmeras interpretações diferentes e a presente análise é uma dessas possibilidades. Eu, a autora, acho que a música é atemporal e reflete muito na sociedade atual, da mesma forma que refletiu há cem anos, há cinquenta anos, há 10 anos e há 5 anos.
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